/o conceito 30+

se você não consegue ler um post desse tamanho, tá tudo bem, a culpa não é sua. Tem a versão podcast aqui!

Então que aqui em São Paulo abriu esse bar chamado Alto, que fica na badalada e burguesa região de pinheiros, onde diversos outros entretedimentos (empreendimento de entretenimento) coexistem em uma infinidade de opções para o jovem adulto que deseja gastar sua mais valia em taças de coquetéis etílicos que custam uma garrafa. Não tenho nada contra, pois até tenho eus que são. 

Um bar com uma estética modernosa, um design gráfico caprichado, que serve bebidinhas e a clássica breja pós job. Quando vi as fotos, achei o bar muito parecido com o Caracol, um bar que fechou recentemente, e que segue a mesma ideia. O Caracol alias que aparece constantemente nas minhas referências de design gráfico e que por sua vez me lembra mto a Void, um clássico que habita o largo da batata, também em pinheiros, onde a neo burguesia recomenda comer o tal do Bolovo (a desgraça é boa mesmo) e é tao popular que tem até uma marca de streetwear com o nome da fritura. Agora que estou vegano, estou a busca de substituições do bolovinho. 

Esse bares tem algo em comum, alem de carregarem um conceitão, todos são convidativos para o publico 30+. Um público que ja está mais firminho na carreira, ganha razoavelmente bem, provavelmente detesta o trabalho mas se mantém trabalhando pois o salário o permite gastar com looks e bolovos enquanto desfruta de um drink sentado.

O lugar oferece luz baixa para descansar as vistas, assentos para não cansar tanto, espaços abertos para fumar o estresse embora, uma musica que te deixa animadinho em um espaço só pra isso (a famosa pista, que deixa em suas mãos a decisão de danças ou não) e uma comodidade que jovem 30+ não troca por nada. Foi-se a era de dividir litrão de cerveja morna em copos de plástico na Praça Roosevelt, agora é só petiscos e drinks caros porque você proletário brasileiro 30+, voce merece. Repita essa frase ate estar com o cartão estourandinho e magicamente sua análise será sobre quanto você tem gastado com rolê nos últimos tempos.

O publico 30+, os famosos dos millennials, enfrentaram de tudo um pouco no tempo de suas vidas, como crises, guerra, pandemia, mudanças radicais na estrutura e no conceito de trabalho, um ser monstruoso na presidência flertando com o autoritarismo diariamente, mudanças sociais drástricas causadas pela internet, uma crise climática… até ovnis tem sido notícias recentemente.  É no mínimo entendível que a busca pelo hedonismo esteja bastante “em alta”, somado a uma sociedade do espetáculo onde a performance precisa ser assistida e o descanso é um item de consumo, resultando em um fenômeno que provavelmente já atravessou seu dia a dia: a exaustão. (a fonte não são só as vozes da minha cabeça, é também baseado no livro “A Sociedade do Cansaço”, do Byung-Chul Han).

cansadas

Não demora muito, para, entre as milhões de publicações que aparecem em algum feed onde você provavelmente habita, que você seja impactade pelo famoso Clube das Exaustas:

“Bruno gaga desiste do BBB”, “Alface encontra jeito de fugir da casa”, “Fred declara querer sair do jogo “cheguei no meu limite”. Usando o BBB como uma grande lupa sobre a sociedade (que foi referência pra uma conversa entre eu e meu avô de 70 anos, que usou o reality para me explicar como a vida é um grande jogo e a gente precisa aprender a jogar) e as relações que acontecem no cotidiano brasileiro, essas falas e ações também denotam o grandioso cansaço que estamos passando. 

o trabalho não é mais o mesmo:

Avanços tecnológicos, a catapulta de mudanças que a pandemia causou e que não se vê mais conversando com a legislação de trabalho, os sérios maus tratos que o golpista causou nas leis trabalhistas, a pejotização da nossa vida. A CLT, a Consolidação das Leis de Trabalho, foi instituída em 1943 pelo controverso Getúlio Vargas, e que botou ordem no trabalho pós revolução industrial, que aqui no Brasil começou a surgir no início do século XX. Quando as primeiras indústrias surgiram, a regra era que cada dono de fábrica instituísse suas leis, então o povo trabalhava 14, 18 horas POR DIA! Mas a classe trabalhadora se reuniu, fez umas greves as coisas mudaram. Ficou instituído então que se trabalharia 8 horas por dia (1/3 da duração total de um dia) e 40 horas por semana, com direito a um descanso semanal.

Só que provavelmente a maioria de vocês que estão lendo isso não se encaixam 100% nessa regra bonitinha da CLT. Provavelmente você trabalha como PJ, ou em regime de teletrabalho (um termo tão vintage, né?), e nesse caso, abriu-se uma brecha na legislação e as 8 horas diárias não são mais “monitoradas” pelo empregador. Portanto, você trabalha por demanda. E isso abre, também, brechas para que trabalhe-se mais e mais. Recomendo dois episódios do podcast Mamilos, que se debruçam mais sobre essa questão: “Tempos Modernos: Trabalhando em Home Office” e “Trabalho Digno no Capitalismo: Meta ou Utopia” (esse segundo fala muito sobre os casos de neo-escravidão que tem sido manchete ultimamente)

infodemia

Em 2019 o Brasil foi classificado com o país mais ansioso do mundo e em 2020 o mundo começou a enfrentar a pandemia do Coronavírus e também a pandemia de informações: a INFODEMIA. Pesquisas mostram que o povo brasileiro passa mais de 9h por dia conectado a internet e que 90% dos lares brasileiros já tem acesso a informação. Nem sempre de qualidade.

É sabido, por essas pesquisas da OMS, que a infodemia agrava a ansiedade e afeta a tomada de decisão, portanto nunca confiamos tanto nos outros para tomarem decisões por nós. Eu estava rolando o instagram recentemente e vi uma postagem no @sp.afora, um instagram que mapeia rolês mais alternativos em sp, Foi nesse perfil que encontrei o bar Alto, citado acima.

Confesso que conhecer esses atalhos que encurtam o meu processo de tomada de decisão e que me colocam as informações que eu preciso na palma da minha mão é muito bom. O serviço do curador de internet virou quase como um garçom digital em que a gorjeta é um like, ou um compartilhamento. Quando cansamos de escolher, e de decidir, o capitalismo então, que antes enfiava goela a baixo o entretenimento como uma forma de se alienar e abstrair do modo sobrevivência que ele mesmo criou, agora sacou que pode lucrar também com a nossa “preguiça”. Agora é possível lucrar com o nosso DESCANSO.

antes da meia noite

O bar Alto foi o início dessa minha ideia maluca aqui porque pensei na praticidade que o rolê oferece: tem bar, tem drinks, tem comida, tem pista de dança, tudo em um único lugar… você não precisa escolher, ou ir pingando de um lugar para o outro, já está tudo ali. É a plataforma dos rolês. Isso, sem contar com a ideia contemporânea de que é possível ter tudo: você pode ir para um bar de boas, dar uma dançadinha e ainda ir cedo pra casa. Dá pra fazer tudo isso ANTES DA MEIA NOITE.

Before Midnight é uma febre que surgiu no Reino Unido em 2022 que é uma festa que começa as 7 da noite e termina a meia noite. A balada que soa sempre como uma escolha dos “jovens” na hora de se divertir, agora na versão 30+. Essa noção da juventude que também já foi questiona e re-questionada diversas vezes pela geração dos millennials que agora se chamam de “velhos”.

Esse “velhos” que estão exaustos e estão surfando na pororoca das mudanças na cultura do trabalho e precisando de descanso, encontram no conceito 30+ um quase retiro espiritual: a forma que promete equilibrar sua vida social e sua vida profissional! Escolher como socializar ou escolher como entreter-se se impõe como mais uma tarefa na vida desses seres que já estão exaustos de tanto produzir

“temos cadeiras”, “terminamos cedo”, “jamie lee curtis nao troca sono por festa”, “luxo é poder descansar”, “bebidas nao alcoolicas”, “academia onde vc pode dormir”, “melatonina”, “zolpidem é nova moda”… 

Espere por streamings com programação ao vivo, episódios lançados semanalmente (para não ter que escolher o que ver se sentir overwhelmed com diversos episódios e se sentir cansado só de pensar), listas curadas por profissionais, o consultor de escolhas em restaurante e sempre um lugar para se sentar. Ao Sol, mas tem que pagar a mais para ter a pulseirinha. 

As evidências são muitas e me lembra que o capitalismo é bem mais ligeiro que a gente. 

Publicação da festa “Santo Forte” que informa que atendeu a pedidos para iniciar a festa mais cedo.

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